Parâmetros Curriculares Nacionais do
ER - PARTE-2
1.2. ENSINO RELIGIOSO E A
PARTICIPAÇÃO SOCIAL
1.2.1. Cultura e Transcendência
O ser humano constitui-se num ser em relação. Na busca de
sobreviver e dar significação para a sua existência ao longo da historia,
desenvolve as mais variadas formas de relacionamento com a natureza, com a
sociedade e com o Transcendente, na tentativa de superação de sua
provisoriedade, limitação, ou seja, sua finitude. . Dilema que o desafia de
forma marcante ante a complexidade da técnica, da industrialização, da
urbanização, do racionalismo, da secularização.
Quem sou
eu?
De onde
vim?
Para onde
vou?
Perante essas indagações, o ser
humano desenvolve conhecimentos que lhe possibilitam interferir no meio e em si
próprio. O conjunto dessas suas atividades e conhecimentos representa um ser
humano dotado de um outro nível de relações: a Transcendência. Por isso, essa
capacidade inerente ao ser, possibilita-lhe integrar em seu âmbito tudo o que
lhe é exterior, deparar-se com problemas e rebelar-se contar eles numa ação
fundada não em seus limites, mas nas possibilidades que percebe. Recusando-se a
encarar o desconhecido como barreira definitiva, transforma-o em projeto. E ao se
perceber ameaçado pela natureza,
sobrevive mediante a produção da cultura.
Cada
cultura tem, em sua estruturação e manutenção, o substrato religioso que a
caracteriza. Este o unifica à vida coletiva diante de seus desafios e
conflitos.
Desse modo, a ação humana consiste
em tornar a Transcendência sua companheira de todas as etapas de aventura como
origem de projetos, enquanto desejo e utopia. A recusa à Transcendência é
trágica para o ser humano, pois o torna resignado em sua mediocridade.
Assim, na
raiz de toda a criação cultural está a Transcendência, resultando daí um
processo ininterrupto de ocultamento-desevelamento: quanto mais a cultura
ilumina o desconhecido mais este insiste em continuar a se manifestar, exigindo
novas decifrações.
1.2.2.Tradição religiosa e a
construção da paz
O
erro mais trágico e persistente do pensamento humano é o conceito de que as
idéias são mutuamente exclusivas. Esse engano fatal em todos os tempos frustra
o ideal da fraternidade universal. Em cada indivíduo, em cada povo, em cada
cultura existe algo que é relevante para os demais, por mais diferentes que
sejam entre si. Enquanto cada grupo pretender ser o dono exclusivo da verdade,
enquanto perdurar essa estreiteza de visão, a paz mundial permanecerá um sonho
inatingível.
Básico
para a construção da paz na sociedade é a humildade para reconhecer que a
verdade não é monopólio da própria fé religiosa ou política. E, no Ensino
Religioso, pelo espírito de reverência
às crenças alheias (e não só pela tolerância), desencadeia-se o profundo
respeito mútuo que pode conduzir à paz.
Lamentavelmente,
o que predomina no mundo é o fanatismo que se propaga nas mais diversas
esferas, agindo e apelando sempre para o Transcendente, a Fé, a História e a
Justiça Universal, a fim de legitimar seus direitos irrestritos e a supressão
dos direitos do outro. Portanto, o não reconhecimento do outro sustenta a
atitude de fanáticos e idealistas.
O
Ensino Religioso necessita cultivar a reverência, ressaltando pela alteridade
que todos são irmãos. Só então a sociedade irá se conscientizando de que
atingirá seus objetivos desarmando o espírito e se empenhando, com
determinação, pelo entendimento mútuo.
Nessa
perspectiva o Ensino Religioso é uma reflexão crítica sobre a prática que
estabelece significados, já que a dimensão religiosa passa a ser compreendida
como compromisso histórico diante da vida e do Transcendente. E contribui para o estabelecimento de novas relações dos
ser humano com a natureza a partir do progresso da ciência e da técnica.
1.3. CONHECIMENTO RELIGIOSO
A tarefa
de buscar fundamentos para o Ensino religioso remete às questões do fundamento
do conhecimento religioso, mesmo revelado, como um conhecimento humano.
É a
reflexão a partir do conhecimento que possibilita uma compreensão do ser humano
como finito. É na finitude que se procura fundamentar o fenômeno religioso, que
torna o ser humano capaz de construir-se na liberdade.
Entende-se
também que a Escola é o espaço de construção de conhecimentos historicamente
produzidos e acumulados. Como o conhecimento humano é sempre patrimônio da
humanidade, o conhecimento religioso deve também estar disponível a todos os
que a ele queiram ter acesso.
1.3.1. O conhecimento religioso e a
escola
A
Escola, por sua natureza histórica, tem
uma dupla função: trabalhar com os conhecimentos humanos sistematizados,
historicamente produzidos e acumulados, e criar novos conhecimentos.
Todo
o conhecimento humano torna-se patrimônio da humanidade. A sua utilização,
porém, depende de condições sociais e econômicas bem como das finalidades para as quais são
utilizados. Nem todo o conhecimento é de interesse de todos. Um conhecimento
político ou religioso pode não interessar a um grupo, mas, uma vez produzido, é
patrimônio humano e como tal deve estar disponível. O conhecimento religioso é
um conhecimento disponível e, por isso, a escola não pode recusar-se a
socializá-lo.
Por
questões éticas e religiosas, e pela própria natureza da Escola, não é função
dela propor aos educandos a adesão e vivência desses conhecimentos, enquanto
princípios de conduta religiosa e confessional, já que esses são sempre
propriedade de uma determinada religião.
1.3.2. A produção do conhecimento
religioso
1.3.2.1. A pergunta
Todo
ser humano faz perguntas. Ele interroga
a si mesmo e ao mundo. Ao interrogar-se, procura saber quem ele é, para
onde vai e de onde veio. Quando a pergunta recai sobre o mundo, o ser humano
procura compreender seu mistério, sua origem e finalidade. Na experiência do
cotidiano existencial, a pergunta rompe com o mesmo. Provoca situações. Faz
emergir o desconhecido. O manifesto, enquanto manifesto, já é conhecido e por
isso não é mais provocador. O objeto manifesto, porém, guarda sempre outra face
como desconhecida, mas sugerida. É um culto vislumbrado no horizonte. A esse
desconhecido que está além do horizonte denominamos de mistério.
A
negação do mistério provoca o caos. A instalação do caos na consciência humana
acontece também quando a inteligência não consegue compreender e dominar os fenômenos que se manifestam, como
o temporal, a morte, a doença, a guerra. A superação do caos se dá pelo
conhecimento do fenômeno e pela força de um ritual.
A
pergunta surge da necessidade do conhecimento e é instigante. Por isso, a
pergunta para a inteligência humana, enquanto permanece na curiosidade, não
encontra uma resposta. O conhecimento elimina a curiosidade, temporariamente.
Incorporada ao mundo existencial, a questão torna-se familiar e cotidiana.
1.3.2.2. As respostas
1.3.2.2.1. A concepção do mundo
Cada
pergunta requer uma resposta. A prática cotidiana mostra existirem muitas
respostas para uma mesma pergunta, dependendo de quem oferece a resposta.
Muitas respostas não conseguem Ter coerência entre si e são contraditórias. Por
isso, há necessidade de uma "instância" que seja capaz de ordenar os
conhecimentos recebidos como resposta e possibilitar uma visão global do mundo.
Pode-se chamar a essa potência, instância, de "concepção do mundo".
Assim, a concepção do mundo é a maneira como cada ser humano compreende o mundo.
A concepção do mundo assume o papel
de acolher ou rejeitar as respostas que se enquadram ou não na compreensão que
se tem do mundo. A tradição religiosa, a política, a ideologia se apresentam
como estruturantes da concepção de mundo. Em algumas pessoas, a concepção de
mundo se apresenta com muita rigidez e inflexibilidade, noutras, mais aberta, e
sem critérios de julgamento. Em determinados momentos, a tradição religiosa
aparece como determinante da estrutura da concepção de mundo, noutros, aparece
a ideologia, a política ou a tradição e o contexto sociocultural.
Buscar coerência na compreensão de
mundo que cada um possui não significa abdicar os fundamentos estruturantes,
como no caso da tradição religiosa e cultura. Ao contrário, a própria tradição
religiosa, a cultura e a ideologia necessitam da reflexão para se purificarem
de suas contradições.
A Escola deve ajudar o educando a
adquirir instrumentos universais que o auxiliem na superação das contradições
nas respostas isoladas e procurar dar coerência à sua concepção de mundo.
1.3.2.2.2. Respostas específicas
Cada
pergunta requer uma resposta específica e para ser aceita são estabelecias
condições pela pessoa, que exige respostas legítimas. A veracidade, critério para
se aceitar um conhecimento, fica assim condicionada à legitimidade. Ora, quem
pode conceder respostas? Não se pode esquecer que as respostas são sempre
conhecimentos. A questão pode ser colocada da seguinte maneira: "Quem
possui os conhecimentos sobre o mistério?”.
O
primeiro nível de conhecimento indica a existência de conhecimentos adquiridos
pela experiência pessoal, aqui denominados de práticos; e conhecimentos
adquiridos através da informação, referidos como teóricos. Os primeiros são
legitimados pela evidência da experiência. Esta pode ser posta em dúvida, na
medida em que é possível formular outras perguntas sobre o objeto já
experimentado, ou quando a própria estrutura da experiência é posta em dúvida
no sentido de tornar-se problemática. As informações, porém, são legitimadas
pela autoridade que oferece a resposta. A autoridade, enquanto legítima, é
aceita como fonte transmissora de conhecimento, na qual é depositado o ato de
confiança daquele que pergunta. É por isso que neste nível de conhecimento
aparecem, com muito vigor, os sábios, as lideranças e as autoridades
instituídas política e socialmente.
No
campo da filosofia e da teologia, o homem busca na razão e na autoridade a
legitimidade do conhecimento. Já as outras ciências buscam sua legitimação no
rigor do método.
A
dimensão religiosa do conhecimento humano encontra suas vertentes para
assegurar a veracidade do mesmo. A primeira se enraíza na autoridade,
institucional ou carismática. A outra provém do interrogante. É normal não se
aceitar um conhecimento quando não for veraz. Como a veracidade pode depender
da legitimidade da autoridade, é necessário, às vezes, absolutizar a autoridade
do ser humano para garantir a veracidade do conhecimento. Esse processo se faz
presente em pessoas que não admitem romper com a dogmatização dos
conhecimentos porque tal situação as
colocaria em insegurança.
Parece
haver uma relação evidente entre a insegurança do ser humano, provoca pelo
mistério ou pelo caos, com a necessidade de respostas seguras através de uma
autoridade legítima, detentora do conhecimento sobre o mistério. É evidente,
também, o fenômeno de posse dos objetos e do domínio sobre o mistério através
do conhecimento.
1.3.3. A raiz do fenômeno religioso
O
conhecimento resulta das respostas oferecidas às perguntas que os er humano
faz a si mesmo e ao informante. Às
vezes, para fugir à insegurança, resgatando a sua liberdade, ele prefere
respostas prontas, que apaziguam a sua ansiedade. A raiz do fenômeno religioso
encontra-se no limiar dessa liberdade e dessa insegurança. O homem finito,
inconcluso, busca fora de si o desconhecido, o mistério: transcende.
Esta
situação original é própria de todo ser humano, por isso definido como projeto.
Aberto ao infinito, mas ao mesmo tempo ansioso por se assegurar como exigente,
fecha-se à invasão do mundo com medo de por ele ser destruído. A pergunta nesse
processo é sempre vista como um caminho de invasão, por isso, para proteger-se
fecha-lhe a porta de entrada. Recuperada a pergunta, o cotidiano se abre, o
processo de crescimento intelectual continua e a liberdade é reconquistada.
1.3.4. A escola e o conhecimento
religioso
A
Escola tem a função de ajudar o educando a se liberar de estruturas opressoras
que o impedem de progredir e avançar. Através da reflexão, educador e educando
rompem com as prisões que os prendem à segurança ilusória oferecida por
objetos, situações e autoridades não legitimas. Compreendem os limites do
conhecimentos e a finitude do ser humano.
Esses
conhecimentos, de caráter antropológico, devem abrir o caminho para a
necessidade de outra dimensão humana, que é a fé. O conhecimento humano é
produção do homem e não pode ser cristalizado. Por ser um produto histórico,
terá sempre seu caráter de falibilidade.
Por
outro lado, o processo de aprendizagem se fundamenta na busca do saber e no
desejo de transcendência. Toda a pergunta, nesta perspectiva, se torna
legítima. A Escola não pode negar conhecimento, respostas, às perguntas feitas
pelos educandos. Todas as perguntas, não importando de que campo sejam, exigem
atenção da Escola.
1.3.5. O profissional de educação no
Ensino Religioso
Diante
do mistério do Transcendente, a perplexidade do educador necessita antecipar à
do educando para que junto possa responder às questões trazidas ou estimular
outras perguntas. Sua síntese centra-se na própria experiência. No entanto,
necessita apropriar-se da sistematização de outras experiências que permeiam a
diversidade de cultura.
A
constante busca do conhecimento das manifestações religiosas, a clareza quanto
à sua própria convicção de fé, a consciência da complexidade da questão
religiosa e a sensibilidade à pluralidade são requisitos essenciais no
profissional do ensino religioso.
Desse
profissional espera-se que esteja disponível para o diálogo e seja capaz de
articulá-lo a partir de questões suscitadas no processo de aprendizagem do
educando. Cabe a esse educador escutar, facilitar o diálogo, ser o interlocutor
entre Escola e Comunidade e mediar os conflitos.
O
educador é alguém que naturalmente vive a reverência da alteridade e leva em
consideração que família e comunidade religiosa são espaço privilegiado para a
vivência religiosa e para a opção de fé. Assim, o educador coloca seu
conhecimento e sua experiência pessoal a
serviço da liberdade do educando.
Frente
a isso, faz-se necessário uma formação específica onde sejam contemplados,
entre outros, os conteúdos: Culturas e Tradições Religiosas; Escrituras
Sagradas; Teologias comparadas; Ritos e Ethos, garantindo-lhe a formação
adequada ao desempenho de sua ação educativa.
1.4. RAZÃO DE SER DO ENSINO RELIGIOSO:
CONHECIMENTO/DIÁLOGO
A
educação escolar tem possibilitado historicamente o acesso ao conhecimento
produzido pela humanidade e ao mesmo tempo o desenvolvimento do indivíduo enquanto
pessoa, através de valores e atitudes.
Conhecer
significa captar e expressar as dimensões da comunidade de forma cada vez mais
ampla e integral. Assim, entendendo a educação escolar como um processo de
desenvolvimento global da consciência e da comunidade entre educador e
educando, à escola compete integrar, dentro de uma visão de totalidade, os
vários níveis de conhecimentos: o sensorial, o intuitivo, o afetivo, o racional
e o religioso.
Como
na sociedade democrática todos necessitam da Escola para Ter acesso à parcela
de conhecimento histórico acumulado pela humanidade, através dos conteúdos dos
escolares, o conhecimento religioso enquanto patrimônio da humanidade necessita
estar à disposição na Escola. É preciso, portanto, prover os educandos de oportunidades
de se tornarem capazes de entender os momentos específicos das diversas
culturas, cujo substrato religioso colabora no aprofundamento para a autêntica
cidadania.
Essa
responsabilidade atribuída à Escola como conseqüência do projeto educativo, comprometido
com a democratização social e cultural, coloca o Ensino Religioso na função de
garantir que todos os educandos tenham a possibilidade de estabelecer diálogo.
E,
como nenhuma teoria sozinha explica completamente o processo humano, é o
diálogo entre elas que possibilita construir explicações e referenciais, que
escapam do uso ideológico, doutrinal ou catequético.
Se é na
Escola que a consciência humana das limitações se aprofunda, também é nela que
a humanidade poderá aprender as razões de superação de seus limites. É na
dinâmica da educação que o anseio de aprender a totalidade da vida e do mundo é
explicitado em formas de conhecimentos culturais. E, como o conhecimento
religioso está no substrato cultural, o Ensino Religioso contribui para a vida
coletiva dos educados na perspectiva unificadora que a expressão religiosa tem,
de modo próprio e diverso, diante dos desafios e conflitos.
Assim,
o conhecimento religioso, enquanto sistematização de uma das dimensões da
relação do se humano com a realidade transcendental, está ao lado de outros,
que, articulados, explicam o significado da existência humana.
Ele é o
instrumento que auxilia na superação das contradições de respostas isoladas de
cada cultura.
Criar a
oportunidade de ter o Ensino Religioso de forma sistematizada permite uma
compreensão mais crítica do cidadão.
1.5. OBJETIVOS GERAIS DO ENSINO
RELIGIOSO
PARA O ENSINO FUNDAMENTAL
O
Ensino Religioso, valorizado o pluralismo e a diversidade cultural presente na
sociedade brasileira, facilita a compreensão das formas que exprimem o
Transcendente na superação da finitude humana e que determinam,
subjacentemente, o processo histórico da humanidade. Por isso necessita:
· proporcionar
o conhecimento dos elementos básicos que compõem o fenômeno religioso, a partir
das experiências religiosas percebidas no contexto do educando;
· subsidiar
o educando na formulação do questionamento existencial, em profundidade, para
dar sua resposta devidamente informado;
· analisar
o papel das tradições religiosas na estruturação e manutenção das diferentes
culturas e manifestações socioculturais;
· facilitar
a compreensão do significado das afirmações e verdades de fé das tradições
religiosas;
· refletir
o sentido da atitude moral, como conseqüência do fenômeno religioso e expressão
da consciência e da resposta pessoal e comunitária do ser humano;
· possibilitar
esclarecimentos sobre o direito à diferença na
construção de estruturas religiosas que têm na liberdade o seu valor
inalienável.
Disponível em: < http://www.conerpassofundo.com.br/index.php/parametros-curriculares/50-parametros-curriculares-nacionais-do-er-parte-2-.html>. Acesso em: 28 out. 2011.